CanaisIdentidadesLiteratura

Pesquisa da UFSCar aborda a história da educação indígena no Brasil 

Colaborando com a RAIZ

O “Projeto Estudos Indígenas” visa a formação

acadêmica internacional de estudantes indígenas

 

Formação acadêmica internacional de estudantes indígenas e produção de conhecimento de alto nível unindo saberes tradicionais e científicos são os objetivos do projeto “Estudos Indígenas: inovação curricular, internacionalização das universidades brasileiras e fortalecimento dos pesquisadores indígenas nacionais e internacionais”, desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com coordenação da professora Roseli Rodrigues de Mello, do Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas (DTPP), e parceria do Centro de Culturas Indígenas (CCI) da Universidade.

A iniciativa, que prevê intercâmbio estudantil e pesquisa internacional, tem financiamento conjunto da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento.

No escopo do projeto Estudos Indígenas, a coordenadora conta que seis estudantes indígenas da UFSCar, dois a cada ano, passarão 12 meses em universidades no exterior – a Universidade de Córdoba, na Espanha, e a Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Atualmente, Karla Caroline Teixeira, do curso de Medicina, e Adriele da Silva Braga, do curso de Psicologia, estão na Universidade de Córdoba, onde permanecerão até fevereiro de 2019. Outros dois estudantes – Marcondy Maurício de Souza, do curso de Biotecnologia, e Ornaldo Baltazar Sena, do curso de Medicina – estiveram na Universidade de Córdoba de 2017 até o começo deste ano.

 

“Esses estudantes, que também são líderes no CCI, cursam parte da graduação lá e, ao mesmo tempo, fomentam o debate sobre políticas públicas de ações afirmativas para minorias presentes na Espanha, com base na experiência de atuação no CCI da UFSCar. Além disso, estamos fazendo levantamento da produção científica mundial sobre os povos indígenas”, conta Mello.

 

Além desses quatro estudantes, mais dois estarão em mobilidade acadêmica no próximo ano. O programa também visa uma interlocução entre os docentes das universidades envolvidas.

O projeto de pesquisa tem a participação de sete docentes – Fernanda Callegari, do Departamento de Medicina (DMed); Anselmo João Calzolari Neto, Coordenador do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do Campus Araras; Monica Filomena Caron, do Departamento de Geografia, Turismo e Humanidades (DGTH-So) do Campus de Sorocaba; Andrea Soares da Costa Fuentes, do Departamento de Genética e Evolução (DGE); Claudia Raimundo Reyes, do DTPP; Celso Conti, do Departamento de Educação (DEd); e Amadeu Logarezzi, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais (PPGCAm) – ; seis estudantes indígenas bolsistas e 12 outros alunos de graduação.

 

A UFSCar tem 202 estudantes indígenas

em seus quatro campi

 

 

História da educação indígena

Além de promover a mobilidade acadêmica, a equipe do projeto se dedica a atividades de formação e de pesquisa. No momento, o grupo está fazendo um levantamento nacional e internacional sobre a educação indígena e sobre políticas universitárias para presença indígena nas universidades.

Como parte dessa pesquisa bibliográfica, Roseli Mello, Marcondy Souza e Thaís Juliana Palomino, servidora técnico-administrativa da Coordenadoria de Relações Étnico-Raciais da UFSCar, pesquisadora e colaboradora do CCI, fizeram um estudo sobre a história da educação indígena no Brasil, em uma perspectiva de protagonismo dos povos e movimentos indígenas, que culminou na publicação recente do artigo “Indigenous School Education in Brasil” (https://bit.ly/2JWBZFN), na Oxford Research Encyclopedia of Education, da Universidade de Oxford (Inglaterra). Outros integrantes, divididos em dois grupos, estão fazendo a revisão bibliográfica em países de Língua Espanhola e em países de Língua Inglesa.

No artigo, os autores explicam que “a autodeterminação dos povos originários de qualquer nação, a preservação de seus territórios, a preservação das tradições e a negociação de costumes voltados para as culturas nacionais são temas centrais no debate sobre e entre povos indígenas no mundo”.
Mello reforça que, como em outros países, ao longo da história, o que aconteceu e está acontecendo no processo de educação do Brasil não é um fato isolado.

 

“As condições atuais são o produto de processos de colonização, o desenvolvimento da sociedade industrial e, mais recentemente, da globalização. Tais processos históricos trazem lutas, confrontos, transformações e solidariedade.

Na esfera legal, as convenções, declarações e tratados internacionais influenciaram mais ou menos as normas e leis sobre o assunto em cada país”, explica Mello.

Mas o que torna o caso do Brasil digno de relevância para se pensar sobre a educação indígena? “Dois elementos constituem a resposta: a maneira específica como os governantes estabelecem relações com os povos originários e o fato de o Brasil ter a maior diversidade de comunidades indígenas”, relata Mello. O artigo publicado aponta que, considerando os dados mais recentes do censo da população brasileira, de 2010, pode-se estimar que, no Brasil, existam aproximadamente 820 mil habitantes indígenas, pertencentes a 305 povos nativos, que falam 274 línguas. Eles estão localizados em áreas demarcadas e reconhecidas pelo governo, em terras ancestrais em disputa com posseiros e agricultores e nas cidades.

Ao analisar três décadas da história brasileira, os autores do artigo constataram que a educação nas escolas das aldeias indígenas acontece na própria Língua de cada povo e o currículo, por lei, fornece conteúdos específicos ligados a cada cultura, podendo ser totalmente diferente do currículo das escolas não indígenas. No entanto, existem também escolas indígenas que trabalham com o currículo regular, mas com baixa qualidade.

Há contradições e desafios a serem superados, ressalta Mello. “Um desafio principal parece ser relacionado à segregação estabelecida nos currículos de baixa qualidade, o que, nas escolas indígenas, restringe o ensino a, por exemplo, artesanato e atividades manuais, o que pode manter crianças e jovens indígenas à margem da sociedade circundante, visto que também é importante o domínio de ferramentas como leitura e escrita em Português e de outros conhecimentos não indígenas como instrumentos de recuperação das culturas e línguas, assim como de defesa dos direitos dos próprios grupos”, analisa a pesquisadora.

Quanto ao acesso ao Ensino Superior, Mello conta que, no artigo, os autores procuraram evidenciar que, desde a década de 1970, tem havido casos de indígenas que frequentam universidades, especialmente em Estados onde houve expansão dos campi para o interior, como aconteceu com a Universidade Federal do Amazonas. Outros casos foram devidos à migração de jovens indígenas, sozinhos ou com suas famílias, para cidades, onde frequentavam escolas urbanas e mais tarde ingressaram em universidades competindo com outros estudantes.

Há também casos de pessoas que, quando crianças, foram retiradas de suas famílias por grupos religiosos e colocadas em internatos para serem treinadas como religiosas e, mais tarde, buscaram formação universitária. Algumas delas, inclusive, realizam trabalhos de pós-graduação, atingindo uma carreira docente universitária como pesquisadoras. Depois da Lei Nacional de Educação e Diretrizes (LDBEN), de 1996, que diz respeito ao direito dos povos indígenas à educação diferenciada, intensificaram-se ações e medidas de acesso de indígenas às universidades.

Mello relembra que, em 2007, para admissão em 2008, a UFSCar aprovou a criação de uma vaga suplementar específica para estudantes indígenas, em cada uma das 64 opções de cursos de graduação da Universidade, além de criar uma política específica de acolhimento e permanência para estudantes indígenas de todo o País.

O posterior aprimoramento da política, com a criação do Centro de Culturas Indígenas (CCI), do Encontro Nacional de Estudantes Indígenas (Enei), do Programa Pedagógico de Monitoramento Indígena (PPAI) e da descentralização dos exames de admissão em quatro regiões do País trouxeram mais possibilidades de acesso aos estudantes indígenas. Hoje, a UFSCar tem 202 estudantes indígenas em seus quatro campi (São Carlos, Araras, Sorocaba e Lagoa do Sino).

Além dos levantamentos bibliográficos, o grupo está realizando um segundo estudo com o foco nas políticas voltadas à presença indígena nas universidades brasileiras. Essa pesquisa vai resultar em um livro, com capítulos escritos por integrantes do grupo de pesquisa e por pessoas que colaboraram com as políticas de inclusão indígena na UFSCar.

 

“A proposta é que tenhamos um documento histórico, com diferentes perspectivas de como foi o processo de implementação das ações afirmativas, qual o momento atual e sobre como vamos caminhar daqui para a frente, pois temos uma demanda alta de outras universidades brasileiras pelo conhecimento e pelas ações que desenvolvemos na UFSCar até o momento”, finaliza Mello.

 

 

(Foto Divulgação de Paulo Henrique Gomes da Silva)

 

Colaborando com a RAIZ