Água Funda de Ruth Guimarães e as tradições populares na pauta
Romance de estreia de Ruth Guimarães (1920-2014), uma das primeiras escritoras negras a ganhar destaque na cena literária brasileira, com prefácio de Antônio Cândido. Este romance reúne causos e lendas brasileiras vinculados ao contexto social e histórico dos anos 30 e 40. Vale ressaltar que o livro está na lista da Fuvest 2025, entre outras universidades do país.
Água funda foi lançado em 1946 – mesmo ano de Sagarana, de Guimarães Rosa. Mas enquanto o escritor mineiro se valia da plasticidade da fala sertaneja para inventar um léxico novo, entre o popular e o erudito, Ruth fez aqui uma original reconstituição etnográfica da linguagem caipira – que conheceu pessoalmente em sua infância passada no Vale do Paraíba e Sul de Minas -, aproximando-a das pesquisas de Mário de Andrade. Foi relançado em 2018 pela Editora 34.
A autora nascida no Vale do Paraíba, Estado de São Paulo, traz sua origem impressa nos seus escritos, levando em conta o forte apelo da cultura popular e tradicional dessa região. São 15 capítulos situadas na fazenda Olhos d’Água, na região rural do Vale do Paraíba, partindo do período da escravidão até meio século depois.
Entrelaçando diferentes tempos e personagens, inseridos no universo de uma comunidade rural na Serra da Mantiqueira, a autora construiu uma prosa ágil e fluida, permeada de ditos populares e causos marcados pela superstição e pelo fatalismo, que antecipa em certos aspectos o realismo mágico de Juan Rulfo e Gabriel García Márquez. É o caso das histórias de Sinhá Carolina, dona da Fazenda Nossa Senhora dos Olhos d’Água, e do casal Joca e Curiango, trabalhadores locais, num arco temporal que vai da época da escravidão até os anos 1930. Como afirma o narrador do livro: “A gente passa nesta vida como canoa em água funda. Passa. A água bole um pouco. E depois não fica mais nada”.
Esta nova edição de Água funda, que se tornou um clássico da literatura brasileira do século XX, conta ainda com excertos da crítica da época de seu lançamento, incluindo nomes como Brito Broca, Antonio Candido e Alvaro Lins, e uma das primeiras entrevistas de Ruth Guimarães, saudada então como uma revelação de nossas letras.
Sobre a autora
Ruth Guimarães nasceu em Cachoeira Paulista, SP, no Vale do Paraíba, em 1920. Aos dez anos publicou seus primeiros versos em jornais locais. Órfã aos dezessete, radicou-se em São Paulo em 1938, onde cursou o magistério na Escola Normal Caetano de Campos e depois ingressou como funcionária concursada no IPASE. Conheceu Mário de Andrade em 1943, que a iniciou nos estudos de folclore, e frequentou o círculo literário chamado “Grupo da Baruel”. Em 1946 lançou seu primeiro livro, o romance Água funda, com grande sucesso. Ingressou em seguida na USP, onde se formou em Letras Clássicas em 1950, mesmo ano de seu segundo livro, Os filhos do medo, ampla pesquisa sobre o papel do diabo na tradição popular brasileira. Escreveu crônicas e artigos para diversos jornais e revistas, participou do Conselho Estadual do Folclore, foi professora da UNIFATEA e escreveu dezenas de livros, de ficção e não ficção, como Lendas e fábulas do Brasil (1963) e Dicionário da mitologia grega (1972), além da peça Romaria (com Miroel Silveira). Traduziu obras de Balzac, Dostoiévski e Alphonse Daudet, entre outros, e também O asno de ouro, de Apuleio. Em 2008 foi a primeira escritora negra eleita para a Academia Paulista de Letras. Faleceu em Cachoeira Paulista, em 2014, aos 93 anos.
SERVIÇO
Água funda
Autor Guimarães, Ruth
Idioma Português
EDITORA 34
Capa do livro Mole
Quantidade de páginas 200
14 x 21 cm
ISBN 978-85-7326-701-3