Apesar da pandemia, a cultura popular indígena resiste através de lives
Anapuaká, criador da rádio Yandê conta a importância das conversas online e reflete sobre o que esperar para o futuro do artista indígena
Por Gustavo S. Cavalcante
Através de uma conversa pelo Zoom, Anapuaká Tupinambá, morador da cidade do Rio Janeiro, divaga… “Todo indígena deve estar com depressão agora”.
Ressabido de que foi o primeiro a fazer campanha para que povos e famílias ficassem nas aldeias ele lamenta angustiado as muitas mortes dos seus. “Tenho raiva de tudo…dos próprios índios que não colabora” e pondera que com a dificuldade de se passar informação não há como alguém respeitar uma quarentena.
O elaborador de projetos voltados para comunicação entre povos indígenas a tanto vem, da zona oeste da capital do estado, concentrando seus afazeres a dar afago de suas preocupações e lamentos, buscando nos últimos meses passados entender e absorver da crise que tem matado milhares de pessoas e assolado aqueles pelos quais tenta tanto proteger.
Do seu próprio quintal, tentando escapar de uma depressão e mostrar força, Anapuaká tem elencado trabalhos voltados para 2021. Na conversa online, lembra do seu projeto primordial, que vem antes da possibilidade de se abater. “Tenho buscado ser um bom ancestral hoje, pensando nos índios de amanhã”, seu mantra de vida, “então preciso lembrar que para estar aqui hoje, existiu um ancestral que me permitiu isso, e serei ancestral para as próximas gerações. Mas se deixar me abater, de nada poderei mostrar de resistências as próximas gerações”.
Em seu longo trajeto militante, Anapuká galga a desmistificação do índio como conto de fadas, trazendo à tona trabalhos que dialogam com a figura contemporânea do índio. Tendo como um dos pontos capitais de seu projeto a música indígena de protesto, tocada na Rádio Yandê – a qual é o idealizador.
“Sempre se falaram muito do índio como mito, uma lenda. Mas para além desse ser exótico existe o indígena participativo e eclético”, explica por bem dizer o projeto da rádio que a tantos tem servido como espaço de lamentos, choro, ou para descontração e aprendizado em tempos de pandemia.
Nas canções temáticas que dialogam com o passado e o presente da história de povos, suas lutas e emancipação, bem como prezando pela segurança de aldeias, grupos de rap, pop, rock, entre outros, enquadram a trilha sonora que tem tido 48 horas de programas gravados, a tocar 24 horas por dia.
Não obstante, a necessidade de se ocupar um espaço que atinja a todos os indígenas que precisam se informar do momento, a frequência encontrada na internet e por aplicativo cresceu durante a quarentena.
Na internet desde 2013 fazendo conexão entre povos, a Yandê tem sido o refúgio para seu fundador. “Mesmo com a pandemia, acabou valendo a pena para termos acessos a tantas histórias singulares que nos desencadeou novos projetos”, conta o índio Tupinambá, “e vamos depois pegar as gravações em transformar em livro”.
Fazendo lives desde abril, a rádio trouxe Pagés, um especial de rezas e um motivo para que muitas aldeias continuem lutando ao expor, até o momento, 32 temas em conversas ao vivo.
Dentre as experiências gravadas está o festival que carece Anapuaká. O YBY (Festival de Música Indígena) teve sua primeira edição no ano passado e foi adaptado para que pudesse acontecer ao vivo este ano. A live serviu de um momento onde participantes puderam dar opiniões, cantar, questionar o governo, dizer e ouvir histórias vividas na quarentena, em relatos como se estivessem todos envolto do mesmo espaço.
Com as diversidades exibidas no festival, bem como noutras lives, mostrou-se o caráter pedagógico do indígena, segundo Anapuaká. “Tenho assistido muitos bate-papos, há um misto de sentimentos com a raiz dessas histórias. Música popular para os indígenas nesse cenário, ou de forma popular com passagens líricas, onde apenas índios sabem contar de si próprios”.
No ano passado, o YBY festival pôde financiar a vida de muitos artistas, mirando ser um projeto contínuo de uma luta em combate ao racismo, além de trazer o índio para outros espaços de discussão, fugindo do estereótipo folclorista, ainda que sem deixar de contar histórias em ritmos diversos.
Este ano, sem ter como levantar fundos, a garantia para sobrevivência de artistas indígena acabou ficando a exemplos como o de Edivan Fulni-ô, que veio da Bahia para São Paulo a fim de viver da música, mas com a pandemia não pôde encontrar espaço e levantou um financiamento coletivo, com o objetivo de lançar seu EP.
“Pega sua música e vai distribuir, nem que seja estampando na cara”, exalta Anapuaká contando o exemplo de Edivan. O radialista que veio dizer por chamada a realidade de que para os artistas indígenas continuarem a existir, precisam saber administrar suas carreiras sozinho – o que entende como aprender a usar as novas tecnologias, questões jurídicas de contrato e de autoria, bem como se preparar para momentos como esse.
Mesmo vendo mérito nos espaços online que trazem novas possibilidades de mercado, concorda veemente não ser o ser o bastante. Anapuaká pondera que também é necessário que as plataformas online revejam a política de não monetizar, ou de sequer garantir direitos autorais. “A falta dessa adaptação de formato, ainda mais numa quarentena, é o que sucumbe a muitos dependerem apenas do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição)” diz o entrevistado.
Futuro pós-quarentena
Se para não cair no esquecimento, um artista deve entender que precisa gerar novos modelos de negócio, Anapuaká espera ver um dia a independência dos indígenas em relação a projetos sociais. Ainda mais com certa animisidade ao atual governo, “Por mais que tivesse aptidão, ele (Bolsonaro) só escolhe os piores para desenvolver planos e tomar atitude”.
Todavia, contesta os dizeres de sempre ver o erro como algo alheio. Mesmo que o valha o exemplo da falta de políticas públicas, não vê adiante culpar apenas o governo em critérios de planejamento. “Também fomos irresponsáveis de não ter planejado a nossa continuidade a longo prazo em vender produções. É preciso parar de falar que é problema dos outros. É problema nosso, é erro nosso também”
Dentre as mortes de povos indígenas, estas rebuscadas em letras contemporâneas e ganha mais respaldo, diante da crise moral e financeira causa pela quarentena, a estima de Anapuaká é de ver artistas que servem de exemplo, de quem deixará algo para mostrar que existe possibilidade de um futuro melhor.
A bem dizer, repete seu mantra como lição de vida, “seja um bom ancestral hoje e, se possível, amanhã também”.
Focado em seus projetos na busca de deixar um legado que é para mostrar a indígenas desta e da próxima geração que é possível fazer, que o futuro depende de ser um bom ancestral. “É o que me move todos os dias – da hora de acordar até a hora de dormir – e como indígena é invisível, se um dar certo, mostra para os outros que é possível. É só querer”
SERVIÇO
Escute a Rádio Yandê
Todas as redes de Anápuàka Tupinambá em
https://linktr.ee/anapuakatupinamba