Edições Sesc SP lançam a biografia do ator Sérgio Cardoso
Livro explora a vida e a obra de um dos atores mais influentes na identidade do teatro nacional. Sua trajetória como ator e encenador revela as contradições de um país em transformação e a luta pela consolidação de uma dramaturgia autêntica e profissionalizada.
A vida e a obra de um gigante do teatro brasileiro, pouco conhecido das novas gerações, é contada em Sérgio Cardoso: ser e não ser, novo lançamento das Edições Sesc São Paulo. Com pesquisa meticulosa, a narrativa envolvente de Jamil Dias rompe o silêncio em torno do artista que transcendeu os palcos e se tornou símbolo e protagonista de uma era de renovação cultural no Brasil. O evento de lançamento do livro conta com o bate-papo sobre a vida do ator entre o autor e Lígia Cortez, com mediação de Ubiratan Brasil.
Sérgio Cardoso, tido como um dos mais influentes atores do teatro nacional e dos primórdios da TV brasileira, teve uma trajetória marcada pela busca incansável pela excelência artística, refletindo tanto as contradições de um país em transformação quanto a luta por um teatro autêntico e profissionalizado. Das primeiras peças escolares às montagens clássicas no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), passando pela Companhia Nydia Licia-Sérgio Cardoso até chegar às novelas no começo da teledramaturgia brasileira na década de 1960, Jamil Dias nos conduz pela história do ator ao mesmo tempo em que nos apresenta o cenário sociopolítico-cultural de um país em profunda transformação.
O autor percorre detalhadamente toda a carreira do artista, evidenciando o mosaico de triunfos, fracassos e reinvenções que fizeram com que Sérgio Cardoso ultrapassasse a condição de comum e se tornasse um verdadeiro fenômeno. O livro explora sua vida e obra em seis capítulos, destacando sua formação, marcos artísticos, conflitos e legado.
Na vanguarda do teatro…
Ao elevar o padrão artístico e técnico das montagens cênicas, Sérgio Cardoso foi fundamental para o fortalecimento do teatro brasileiro. Sua interpretação inovadora em Hamlet (1948), sob direção de Wolfgang Hoffmann Harnisch, conseguiu unir a grandiosidade shakespeariana e a intensidade “tropical”, provando que o Brasil era capaz de produzir espetáculos de nível internacional. A peça, encenada pelo Teatro do Estudante do Brasil (TEB), não apenas lotou teatros por meses, mas também despertou o interesse de novas plateias e críticos, consolidando-o como símbolo de um teatro sofisticado, distante do amadorismo até então predominante.
Além de ator, Cardoso atuou como agente de modernização ao incorporar técnicas europeias adaptadas à realidade brasileira. No Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, destacou-se em clássicos como O mentiroso (Goldoni) e Entre quatro paredes (Sartre), trabalhando com diretores como Adolfo Celi e Ruggero Jacobbi. Sua abordagem, que mesclava a precisão gestual da commedia dell’arte com temas universais reinterpretados sob uma ótica local, ajudou a criar uma estética híbrida, reconhecida tanto por sua excelência técnica quanto por sua identidade nacional. Sua insistência em ensaios rigorosos e caracterizações detalhistas (como maquiagens e figurinos meticulosos) estabeleceu um novo paradigma de profissionalismo, inspirando colegas como Cacilda Becker e Paulo Autran.
A luta por autonomia criativa e apoio a autores nacionais deixou um legado estrutural. Ao fundar o Teatro dos Doze (1949), assumir a Companhia Dramática Nacional (1953) e, posteriormente, fundar a própria Companhia Nydia Licia-Sérgio Cardoso (1954), o ator buscou espaços para direção e dramaturgia brasileira, enfrentando desafios financeiros e burocráticos. Mesmo com dificuldades, sua persistência em defender salários fixos, infraestrutura digna e repertório autoral pavimentou caminhos para profissionais de seu tempo e para as futuras gerações.
… e da teledramaturgia brasileira.
Proveniente do teatro, onde já era aclamado como um dos maiores intérpretes de sua geração, Sérgio Cardoso foi figura central na consolidação da telenovela como um fenômeno cultural e artístico no Brasil. Sua transição para a televisão em 1964 trouxe credibilidade ao gênero, até então visto com certo preconceito por parte da elite intelectual. Com papéis marcantes, cativou o público, elevando a audiência e atraindo investimentos das emissoras. Além disso, Antônio Maria (1968-1969) revolucionou o formato ao substituir dramalhões estrangeiros por tramas cotidianas e diálogos coloquiais, influenciando definitivamente os autores.
Sua versatilidade — interpretando múltiplos personagens em uma mesma produção, usando caracterizações elaboradas e sotaques distintos — trouxe um refinamento artístico às novelas, aproximando-as da linguagem teatral. Ao recusar papéis superficiais e exigir qualidade nos roteiros, Sérgio impulsionou a profissionalização das produções, incentivando diretores e autores a elevarem seus padrões. Sua popularidade transformou-o em ícone nacional, consolidando as novelas como um produto de massa e abrindo espaço para que outros atores do teatro migrassem para a TV.
A morte súbita e seus rumores
Em 1972, aos 47 anos, Sérgio Cardoso sofre um ataque cardíaco e é encontrado em seu apartamento durante Meu primeiro amor, novela da Rede Globo, que estava a poucos episódios do fim. A comoção foi enorme entre a crítica e o público, levando uma multidão de amigos, artistas e populares ao cemitério. Com direito a gritos e empurrões e a invasão da sala onde estava o corpo, o enterro ocorreu em meio a um cortejo de artistas digno de um verdadeiro astro. Chacrinha, Tônia Carrero e Walter Clark (representado a diretoria de Rede Globo) andavam em meio às 15 mil pessoas presentes numa verdadeira confusão.
Dois meses após seu falecimento, o jornal A Notícia, em Manaus, publica uma matéria em que o jornalista afirma que o ator sofria de catalepsia — condição caracterizada pela imobilidade do corpo e pela rigidez dos músculos — e que, após denúncia, seu corpo teria sido exumado e encontrado de bruços no caixão. Não demorou para que o boato se alastrasse por todo o país. A princípio, a família optou por não desmentir o boato, mas a persistência da mentira, a obrigou a abandonar sua postura discreta e desmentir os rumores junto à imprensa. Mesmo depois de 50 anos do falecimento de Sérgio Cardoso, a mentira ainda resiste.
SOBRE O AUTOR
Jamil Dias nasceu em São Paulo, em 10 de agosto de 1956. Professor, diretor de teatro e pesquisador, graduou-se em Artes Cênicas (Direção Teatral) pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Na mesma escola concluiu o mestrado (em História do Teatro Brasileiro), o doutorado (em Pedagogia da Direção Teatral) e o pós-doutorado (em História do Teatro Musical no Brasil). Desde 2005 ministra aulas das disciplinas Interpretação, Montagem Teatral, História do Teatro e História do Teatro Musical em escolas técnicas de formação de atores.

Ficha técnica
Sérgio Cardoso: ser e não ser
Autor: Jamil Dias
Edições Sesc São Paulo, 2024
Número de páginas: 368
ISBN: 978-85-9493-303-4
Preço de capa: R$ 90,00
Área de interesse: Teatro
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