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Povo Paiter Suruí em mil imagens no IMS SP

Colaborando com a RAIZ

Exposição no IMS Paulista narra a história e o cotidiano do povo Paiter Suruí, a partir de suas próprias fotografias e vídeos reunidos pelo Coletivo Lakapoy.

Com abertura em 26 de julho, a mostra exibe mais de 900 imagens feitas em sua maioria pelo povo Paiter Suruí desde os anos 1970, quando as câmeras chegaram à Terra Indígena Sete de Setembro, localizada entre Rondônia e Mato Grosso. Como um vasto álbum de família, as fotografias mostram as tradições, os afetos e a resistência dos Paiter Suruí. A mostra, que tem curadoria de Txai Suruí, Lahayda Mamani Poma e Thyago Nogueira, reúne ainda entrevistas, fotos contemporâneas, vídeos, objetos artesanais e outras produções.

A partir de 26 de julho, o IMS Paulista exibe a mostra Paiter Suruí, Gente de Verdade: um projeto do Coletivo Lakapoy. A exposição apresenta um acervo inédito de fotografias familiares tiradas majoritariamente pelo povo indigena Paiter Suruí, reunidas e digitalizadas pelo Coletivo Lakapoy. Esse acervo inclui cenas e retratos tirados desde a década de 1970, quando as câmeras chegaram ao território pelas mãos de missionários, mas passaram a ser utilizadas pela população local para registrar seu dia a dia. Além do acervo histórico, a exposição apresenta fotos e vídeos atuais, reforçando o papel da fotografia como importante ferramenta de afirmação dos direitos indígenas.

As imagens do acervo histórico estavam armazenadas nas casas das famílias, guardadas em álbuns, caixas e estantes das diferentes aldeias do território indígena, localizado entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. Para preservá-las, o Coletivo Lakapoy – grupo formado por comunicadores indígenas, com o apoio de não indígenas, com o objetivo de fortalecer a cultura Paiter Suruí – reuniu, catalogou e digitalizou as fotografias. Em 2021, o projeto foi publicado na revista ZUM e, em 2023, selecionado pela Bolsa ZUM/IMS, de fomento à produção artística. O resultado dessa pesquisa agora se desdobra nesta exposição, que ocupa o 6º andar do IMS Paulista, com entrada gratuita.

A mostra tem curadoria da líder e ativista Txai Suruí, que integra o Coletivo Lakapoy, da arquiteta, pesquisadora e curadora Lahayda Mamani Poma e de Thyago Nogueira, coordenador da área de Arte Contemporânea do IMS, além de supervisão do cacique-geral Almir Narayamoga Suruí, nome fundamental da história da luta indígena no Brasil.

Na exposição, o público encontra reproduções de cerca de 800 fotografias analógicas, da década de 1970 até 2000, que documentam o dia a dia do território, registrando aniversários, casamentos, batizados e competições esportivas, mas também os desafios decorrentes dos contatos com os não indígenas. Este acervo histórico ocupa todas as paredes da exposição, transformando-as em um grande álbum de família, composto de registros informais e pessoais.

A mostra apresenta ainda cerca de 20 retratos recentes do povo Paiter Suruí tirados em maioria por Ubiratan Suruí, primeiro fotógrafo profissional do povo e integrante do Coletivo Lakapoy, além de depoimentos e vídeos dos influencers Oyorekoe Luciano Suruí e Samily Paiter. A exposição também apresenta redes, cestos e colares produzidos pelas artesãs do território, valorizando o conhecimento ancestral e artístico das mulheres Paiter Suruí.

Contatados oficialmente pela Funai em 1969, os Paiter Suruí resistiram a invasões, doenças e à omissão governamental até obterem, em 1983, a homologação da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. Hoje, são aproximadamente 2.000 pessoas, distribuídas em mais de 30 aldeias. Com um modo de vida integrado à floresta amazônica, mas também profundamente transformado desde o contato com a sociedade não indígena, os Paiter Suruí seguem lutando para garantir sua soberania e a integridade de seu território, ameaçado pelo garimpo, pela pecuária e pelo extrativismo predatório. A fotografia e as redes sociais, entre outras ferramentas tecnológicas, foram apropriadas pela juventude como formas de difundir sua cultura, denunciar invasões e fortalecer a resistência.

Txai Suruí comenta a exposição e a importância de preservar essa memória: “A vontade de guardar, registrar e contar a história do povo Paiter Suruí é um sonho que agora se realiza, antes de os últimos anciãos nos deixarem, antes de essa história se ocultar de vez em algum canto esquecido do tempo, na memória dos que viveram essa saga. […] Com as câmeras nas mãos, vemos um olhar diferente daqueles que vieram de fora, podemos notar a espontaneidade e naturalidade de quem tira fotos para um álbum de família. São imagens cheias de amor, carinho e afetividade, mas também de conhecimento, de amor à humanidade e à natureza, de orgulho de pertencer ao povo Paiter Suruí.”

A maioria das pessoas retratadas nas imagens foram identificadas e contatadas, autorizando a reprodução das fotos, num movimento de propor novas lógicas de construir, guardar e expor acervos indígenas, como pontua a curadora Lahayda Mamani Poma: “De modo geral, o contato entre instituições de arte e culturas originárias abre não apenas para conhecimento de novas produções e linguagens artísticas, mas para a reflexão sobre modos de fazer museologia”.

Gamina Suruí e Djikimatara Suruí, Aldeia Nabekodabalakiba, c. 1981 Neste lugar, aconteceu o primeiro encontro do meu povo com o homem branco. Esta é a aldeia Nabekodabalakiba, que significa "local onde foram pendurados os facões". Deixar "presentes" na mata é até hoje uma tática utilizada pela Funai para se aproximar de povos em isolamento voluntário. Na época ainda jovens, Djikimatara e Gamina Suruí passaram a trabalhar na entidade indigenista, participando das expedições de contato com outros povos, como os Uru-Eu-Wau-Wau de Rondônia. Foto de Borbora Suruí. Acervo Kabena Cinta Larga.
Gamina Suruí e Djikimatara Suruí, Aldeia Nabekodabalakiba, c. 1981 Neste lugar, aconteceu o primeiro encontro do meu povo com o homem branco. Esta é a aldeia Nabekodabalakiba, que significa “local onde foram pendurados os facões”. Deixar “presentes” na mata é até hoje uma tática utilizada pela Funai para se aproximar de povos em isolamento voluntário. Na época ainda jovens, Djikimatara e Gamina Suruí passaram a trabalhar na entidade indigenista, participando das expedições de contato com outros povos, como os Uru-Eu-Wau-Wau de Rondônia. Foto de Borbora Suruí. Acervo Kabena Cinta Larga.

O curador Thyago Nogueira também ressalta que o acervo é um “documento inédito da história Paiter Suruí, muito diferente das imagens oficiais e etnográficas produzidas sobre os povos indígenas brasileiros”. Segundo o curador do IMS, “montar um acervo visual de um povo é uma forma de refazer laços e dinamizar a própria cultura, criando pontes entre as novas e velhas gerações. É também uma forma de mostrar que as fotografias atuam como ferramenta de resistência e afirmação − uma estratégia que pode interessar a outros povos indígenas e grupos minorizados ou excluídos de sua própria história”.

Essa lógica aparece nas legendas da exposição, elaboradas coletivamente pelos Paiter Suruí, com coordenação de Ubiratan Suruí (ver exemplo abaixo). Essa opção reforça o trabalho coletivo, em contraponto à ideia de autoria individual, já que é frequentemente difícil determinar quem bateu cada foto, pois a câmera circulava entre várias mãos. Outro aspecto importante é a presença de intervenções manuais nas fotografias. Rasuras, desenhos e anotações mostram que estas fotografias são fragmentos de memória vivos, e não apenas documentos do passado.

Ubiratan Suruí, integrante do Coletivo Lakapoy, comenta o processo de construção deste acervo: “Essas fotos foram coletadas nas casas de vários Paiter. Quando muitas delas foram feitas, eu era apenas uma criança. Assim, para entender melhor o que estava vendo e o porquê de cada registro, passamos a ir atrás dos personagens ou seus familiares. Às vezes, a fotografia era brincadeira de criança ou até um disparo acidental de alguém que não estava tão acostumado com a câmera. Mas, como a máquina era analógica, com a limitação dos filmes, a maioria dos cliques era de momentos realmente importantes.” Segundo o fotógrafo, o “acervo catalogado já passou das centenas de registros, e cada um deles traz outra centena de narrativas. Quando um álbum novo é encontrado na aldeia, vários parentes se sentam em volta dele para trocar relatos e lembrar do passado.”

Ubiratan é o autor de parte das fotos contemporâneas exibidas na mostra, tiradas a partir de 2024. As imagens mostram o cotidiano atual das aldeias do território Paiter Suruí, marcadas tanto por costumes tradicionais quanto por novas sociabilidades e pelo uso das tecnologias. A exposição traz também vídeos de entrevistas com lideranças e integrantes da comunidade, como Almir Narayamoga Suruí. Nos depoimentos, as pessoas falam da importância do acervo e comentam temas como política, espiritualidade e alimentação.

Outro destaque, feito especialmente para a exposição, é uma projeção audiovisual que documenta o contato de anciãos do território com as imagens históricas do fotógrafo Jesco von Puttkamer. Jesco participou do contato da Funai com os Paiter Suruí na virada dos anos 1960 para os 1970, e, ao longo da vida, reuniu um dos acervos audiovisuais indígenas mais importantes do país, depositado no IGPA da PUC Goiás. A maioria dos Paiter Suruí, no entanto, nunca havia visto as imagens, que retornaram ao território pela primeira vez depois de uma colaboração entre o Coletivo Lakapoy e o IGPA da PUC Goiás.

Em cartaz até 2 de novembro, a exposição apresenta ao público um conjunto inédito de imagens de grande importância histórica e política. Trata-se de um acervo em expansão, que, em 2026, também será exposto no próprio Território Sete de Setembro.

Catálogo

Por ocasião da mostra, o IMS lançará um catálogo com as imagens da exposição, textos dos curadores, ensaio da pesquisadora Naine Terena, entrevista com Almir Narayamoga Suruí, entre outros destaques. Em texto também publicado no livro, Ubiratan Suruí afirma: “Este catálogo representa um marco. Reúne um acervo de fotografias e vídeos criados e narrados por nós, os Paiter Suruí, Gente de Verdade, da Terra Indígena Sete de Setembro. […] Este ‘grande álbum visual’, acompanhado por textos que aprofundam sua compreensão, é um instrumento poderoso para preservar nossas tradições, fortalecer nossa identidade e construir um diálogo intercultural verdadeiro.” A publicação estará à venda nas livrarias e na loja online do IMS.

Sobre o Coletivo Lakapoy

O Coletivo Lakapoy é formado por comunicadores indígenas do povo Paiter Suruí, habitantes da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada em Rondônia e Mato Grosso, e conta com o apoio de não indígenas. Fruto de um movimento mais amplo de fortalecimento cultural e político, o coletivo foi criado após as intensas lutas pela demarcação do território. Como resposta estratégica à conquista de seus direitos territoriais, os Paiter-ey elaboraram o Plano de Gestão de 50 Anos, um documento que estabelece diretrizes para o futuro do povo Paiter Suruí, incluindo a formação de uma rede própria de comunicação. Dentro desse plano, a juventude indígena Paiter Suruí foi incentivada e capacitada no uso de novas tecnologias. Assim, o Coletivo Lakapoy tornou-se uma ferramenta essencial para preservar, fortalecer e difundir a cultura Paiter Suruí, promovendo o protagonismo indígena na produção de conteúdo audiovisual e jornalístico. Desde a sua criação em 2022, o coletivo vem crescendo. Neste projeto específico da exposição, participaram nove pessoas; Ubiratan Gamalodtaba Suruí, Oyexiener Suruí, Gabriel Uchida, Christyann Ritse, Kennedy Suruí, Txai Suruí, Oyago Suruí, Samily Suruí e Oyorekoe Luciano Suruí.

Serviço

Exposição Paiter Suruí, Gente de Verdade: um projeto do Coletivo Lakapoy
Abertura: 26 de julho
Visitação: até 2 de novembro de 2025
IMS Paulista | Avenida Paulista, 2424, São Paulo. Tel.: 11 2842-9120.
Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.

Colaborando com a RAIZ