O Brasil de Debret sob o olhar de artistas contemporâneos no Museu do Ipiranga
A mostra propõe um diálogo entre as gravuras de Jean-Baptiste Debret e releituras críticas de 20 artistas contemporâneos, com obras inéditas de Rosana Paulino e Jaime Lauriano.
O Museu do Ipiranga inaugura a exposição Debret em questão – olhares contemporâneos, que propõe um diálogo entre a iconografia do Brasil Império estabelecida pelo artista francês Jean-Baptiste Debret (1768–1848) e sua releitura, quase sempre crítica ou irônica, por parte de 20 artistas contemporâneos.
A exposição é um desdobramento do livro Rever Debret (Editora 34, 2023), do pesquisador Jacques Leenhardt, que assina a curadoria ao lado de Gabriela Longman. A iniciativa integra a Temporada França–Brasil 2025, que celebra os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países e foi apresentada em versão mais sucinta na Maison de l’Amérique Latine, em Paris, entre abril e outubro deste ano. A entrada é gratuita.
Debret em questão se organiza em duas partes. A primeira apresenta 35 pranchas litográficas provenientes da obra Voyage pittoresque et historique au Brésil impressa em Paris entre 1834 e 1839. O artista recusa a representação idílica e, em vez disso, assume uma postura quase antropológica, que observa e descreve o cotidiano com minúcia e senso crítico. Na época, o conjunto foi rejeitado pelo governo brasileiro na época por retratar a violência da sociedade escravista no Rio de Janeiro, então capital do Império.
Obras inéditas e novos diálogos
Entre os destaques, estão duas obras inéditas. O artista Jaime Lauriano apresenta a instalação “Brasil através do espelho”, que aborda temas como etnocídio, apropriação cultural e democracia racial, além da série Justiça e Barbárie, composta por oito fotografias de violência encontradas nos meios de comunicação, em especial cenas de linchamento de homens negros que circulam na mídia. Ao usar o título de uma das obras de Debret, Lauriano tensiona o presente e o passado, questionando o que realmente mudou na dinâmica social brasileira.
Rosana Paulino, reconhecida por investigar as marcas deixadas pela escravidão e pelo racismo estrutural, também participa com a obra inédita “Paraíso Tropical”. Neste trabalho, a artista revisita a concepção histórica do Brasil como um paraíso idílico, imagem que atravessou séculos de representações, para revelar o outro lado dessa narrativa: um território marcado pelo extrativismo, cuja fauna e flora foram amplamente exploradas. A obra, um tríptico em técnica mista sobre papel, aproveita-se de motivos emprestados de Debret, aos quais associa palavras carregadas do imaginário exótico. Paulino cria com essa confrontação entre texto e imagens um choque poético que abre um caminho singular no conjunto das obras apresentadas.
A mostra conta também com obras de Anna Bella Geiger, Bruno Weilemann, Cássio Vasconcellos, Claudia Hersz, Dalton Paula, Denilson Baniwa, Eustáquio Neves, Gê Viana, Heberth Sobral, Isabel Löfgren & Patricia Goùvea, Laercio Redondo, Livia Melzi, Sandra Gamarra, Tiago Gualberto, Tiago Sant’Ana, Val Souza e Valerio Ricci Montani em suportes como pintura, fotografia, vídeo, instalação e colagens digitais Uma sala é dedicada a um desfile sobre Debret concebido pela escola Acadêmicos do Salgueiro para o Carnaval de 1959, registrado em imagens pelas lentes do fotógrafo Marcel Gautherot (1910-1996).

A originalidade do trabalho de Debret
Debret chegou ao Brasil em 1816, integrando a Missão Artística Francesa como pintor da corte luso-portuguesa. Durante os 15 anos que viveu no país, além de atender encomendas governamentais que realizava no seu “ateliê da corte”, também criou imagens sobre a diversidade social e política que caracterizava o Rio de Janeiro. Para isso, concebeu o que se poderia chamar de um “ateliê de rua”: o artista permanecia durante longas sessões sentado na calçada, de onde registrava em cadernos de desenho o nascimento de uma nação, composta por portugueses, por povos indígenas, sistematicamente expulsos de suas terras, e africanos escravizados. Esse trabalho constitui a parte mais original de sua obra artística realizada no Brasil.
Suas aquarelas e gravuras combinavam uma descrição minuciosa e crítica, que não poupava detalhes de violência e o protagonismo do trabalho de escravizados africanos no Brasil, tradicionalmente invisibilizados nas representações artísticas do cotidiano. Tanto na França quanto no Brasil, ninguém queria enfrentar a evidência de que a economia dependia dos negros escravizados. As imagens diretas chocavam o público, que preferia representações exóticas da América, e não o peso do realismo documental.
Após um século de quase total esquecimento, a Viagem pitoresca e histórica ao Brasil foi traduzida pelo crítico Sérgio Milliet e publicada no Rio de Janeiro em 1940.
Nas décadas seguintes, as imagens de Debret tornaram-se uma das principais fontes de referência visual sobre o período imperial. Suas obras foram reproduzidas nos livros didáticos lidos por diferentes gerações de brasileiros. Espalharam-se, também por diferentes publicações, mídias e inúmeros objetos do cotidiano, como camisetas, calendários, objetos de cozinha, até a abertura da novela A Escrava Isaura, (TV Globo, 1976), adquirindo uma existência sem qualquer relação com o contexto e as condições em que foram produzidas.
No início do século 21 e com o bicentenário da independência em 2022, os debates sobre brasilidade e identidade nacional tornaram a ganhar força, agora com uma camada adicional. Uma nova geração de artistas, muitos de ascendência africana e indígena ressignificaram essa iconografia, que passou a ser revista, tanto por novas pinturas e gravuras, como por meio da internet e de novos meios de circulação massiva de imagens.
Essas apropriações contemporâneas, frequentemente críticas e irônicas, revelam uma nova força na vida social das imagens e encarnam uma vontade coletiva de imaginar um futuro emancipado de um passado doloroso. Nelas percebe-se a alegria de questionar a escrita oficial da história e de abrir uma perspectiva crítica e original sobre a consciência de si e dos grupos historicamente marginalizados na trajetória social e política brasileira.
A exposição tem entrada gratuita e está instalada no salão de exposições temporárias, um espaço moderno, acessível e climatizado, com 900m2, localizado no piso jardim.

Acesso para todos os públicos
A acessibilidade é parte estruturante do processo curatorial das exposições do Museu do Ipiranga. A equipe do Educativo desenvolve uma série de recursos que não apenas garantem o acesso, mas ampliam a experiência sensorial e interpretativa de todos os visitantes, com e sem deficiência.
Em Debret em questão, o público encontrará recursos multissensoriais de toque, como dioramas — reproduções tridimensionais de uma obra —, mesas com placas visutáteis e textos em braille e alto-relevo. Legendas, Libras e audiodescrição também estão presentes e acompanham as instalações de vídeo.
Um dos destaques é a caixa de som que permite sentir a vibração do samba-enredo da Salgueiro, parte sonora de uma das salas dedicadas ao fotógrafo Marcel Gautherot.
Sobre Gabriela Longman
Curadora, editora e jornalista, é mestre em História da Cultura pela EHESS-Paris e doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. Trabalhando na interseção entre a literatura e as artes visuais, desenvolve projetos para instituições como Sesc-SP, Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Instituto Inhotim, MAM-SP e Museu Judaico É autora de “Labirintos do Olhar” (ed. Bei, 2017), compilação de ensaios sobre arte urbana em São Paulo, foi curadora da exposição “Ale Ruaro: Sob o Céu sob o Chão” na Biblioteca Mário de Andrade (2024).
Sobre Jacques Leenhardt
Sociólogo brasilianista dedica-se a investigar a criação literária e plástica no Brasil e na América hispânica, assinando inúmeros ensaios, catálogos e livros, como Dans les jardins de Roberto Burle Marx (Arles, Actes Sud, 1994). Membro fundador da associação Archives de la Critique d’Art, é também presidente honorário da Association Internationale des Critiques d’Art. Foi curador de diversas exposições, tanto monográficas (sobre Jean-Baptiste Debret, Frans Krajcberg, Iberê Camargo, Seydou Keïta, Antoni Tàpies e Wifredo Lam, entre outras) como coletivas (a exemplo de Villette-Amazone, Paris, 1996 e Arte Frágil, Resistências, São Paulo, 2009). Estudioso de Debret, foi responsável pelas novas edições francesa e brasileira da Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (Imprimerie Nationale, 2014 e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016).

Serviço
Debret em questão – olhares contemporâneos
Curadoria: Jacques Leenhardt e Gabriela Longman
Curador institucional: Paulo Garcez Marins
De 25/11/2025 a 17/5/2026
De terça a domingo, das 10h às 17h. Última entrada: 16h
Sala de exposições temporárias – Museu do Ipiranga
Entrada gratuita (somente para esta exposição)
Artistas
Anna Bella Geiger, Bruno Weilemann Belo, Cássio Vasconcellos, Claudia Hersz, Dalton Paula, Denilson Baniwa, Eustáquio Neves, Gê Viana, Heberth Sobral, Isabel Löfgren & Patricia Goùvea, Jaime Lauriano, Laercio Redondo, Livia Melzi, Marcel Gautherot, Rosana Paulino, Sandra Gamarra, Tiago Gualberto, Tiago Sant’Ana, Val Souza, Valerio Ricci Montani
Temporada França-Brasil 2025
Iniciada por Emmanuel Macron e Luiz Inácio Lula da Silva, a Temporada França-Brasil 2025 marca os 200 anos de relações bilaterais e tem como objetivo fortalecer os laços entre os dois países. Ela se organiza em torno de três grandes temas: Clima e transição ecológica; Diversidade das sociedades e diálogo com a África; Democracia e Estado de Direito. Além desses temas, a Temporada, que ocorrerá de abril a setembro de 2025 na França e de agosto a dezembro de 2025 no Brasil, visa dinamizar a cooperação em áreas como cultura, economia, pesquisa, educação e esporte, com atenção especial à juventude e aos intercâmbios profissionais.
A Temporada é organizada e implementada:
Para o Brasil: pelo Instituto Guimarães Rosa, sob a supervisão do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Cultura, da Embaixada do Brasil na França e do Comissariado brasileiro, a cargo de Emilio Kalil;
Para a França: pelo Instituto Francês, com o apoio do Ministério da Europa e dos Assuntos Exteriores, do Ministério da Cultura, da Embaixada da França no Brasil e do Comissariado francês, a cargo de Anne Louyot.
A programação francesa no Brasil recebe o apoio do comitê de patrocinadores presidido por Jean-Pierre Clamadieu, presidente da ENGIE, e composto por: Fundação ENGIE, LVMH, ADEO, JCDecaux, Sanofi, Airbus, CMA CGM, CNP Assurances, L’Oréal, Fundação TotalEnergies, VINCI, BNP Paribas, Carrefour, Vicat e Scor.
Museu do Ipiranga
Endereço: Rua dos Patriotas, 100
Funcionamento: Terça a domingo (incluindo feriados), das 10h às 17h (última entrada às 16h). A bilheteria abre às 9h nos dias pagos e 10h nos dias de gratuidade.
Ingressos para as exposições de longa-duração: R$ 30 e R$ 15 (meia-entrada).
Entrada gratuita para exposição temporária.
Gratuidades: Quartas-feiras e primeiro domingo do mês. Confira mais informações: museudoipiranga.org.br/visite/
Transporte público: De metrô, há três estações da linha 2 (verde) próximas ao Museu, Alto do Ipiranga (30 minutos de caminhada), Santos-Imigrantes (25 minutos a pé) e Sacomã (25 minutos a pé). A linha 710 da CPTM tem uma parada no Ipiranga (20 minutos de caminhada).
Principais linhas de ônibus: 4113-10 (Gentil de Moura – Pça da República), 4706-10 (Jd. Maria Estela – Metrô Vila Mariana), 478P-10 (Sacomã – Pompeia), 476G-10 (Ibirapuera – Jd.Elba), 5705-10 (Terminal Sacomã – metrô Vergueiro), 314J-10 (Pça Almeida Junior – Pq. Sta. Madalena), 218 (São Bernardo do Campo – São Paulo).
Pessoas com deficiência em transporte individual: na entrada da rua Xavier de Almeida, nº 1, há vagas rotativas (zona azul) em 90°.
Bicicletas: para quem usa bicicleta, há paraciclos disponíveis próximos aos portões da R. Xavier de Almeida e R. dos Patriotas.
Museu do Ipiranga – USP
O Museu do Ipiranga é uma das sedes do Museu Paulista da Universidade de São Paulo, que também agrega o Museu Republicano de Itu. É um dos mais completos e modernos museus da América Latina, com 49 salas expositivas no edifício monumento, abrigando exposições de longa duração que apresentam um panorama da História e da cultura material brasileira. São elas: “Passados imaginados”, “Uma História do Brasil”, “Para entender o Museu”, “Casas e coisas”, “Mundos do trabalho”. O Museu também conta com uma sala expositiva no Piso Jardim, pronta para receber exposições temporárias que articulam os conteúdos presentes no edifício monumento a temas da atualidade.
A acessibilidade é tema estratégico do Museu, que busca ser inclusivo para todas as esferas da sociedade. Os recursos acessíveis figuram em todos os pavimentos do edifício, integrados às exposições.
![Marqué par une image d’enfance [Marcado por uma imagem de infância] (2021), Série “Demérito ao Debret”, Bruno Weilemann Belo. Cortesia Aura Galeria](https://raiz.art.br/wp-content/uploads/2025/11/Marque-par-une-image-denfance-Marcado-por-uma-imagem-de-infancia-2021-Serie-Demerito-ao-Debret-Bruno-Weilemann-Belo.-Cortesia-Aura-Galeria-841x1024.jpg)
A gestão do Museu do Ipiranga é feita pela direção do Museu Paulista, com suporte da Fundação de Apoio ao Museu Paulista (FAAMP).
O edifício, tombado pelos órgãos de patrimônio municipal, estadual e federal, foi construído entre 1885 e 1890 e está situado dentro do complexo do Parque Independência. Concebido originalmente como um monumento à Independência, tornou-se em 1895 a sede do Museu do Estado, criado dois anos antes, sendo o museu público mais antigo de São Paulo e um dos mais antigos do país. Está, desde 1963, sob a administração da USP, atendendo às funções de ensino, pesquisa e extensão, pilares de atuação da Universidade.
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