Axé Funfun
Uma homenagem emocionada à Yá Carmen do Gantois.
Na manhã do dia 26 de dezembro, eu soube a notícia de que Yá Carmen do Gantois havia partido ao encontro dos seus ancestrais.
Todos nós sabemos dos processos biológicos e sociais da vida, entretanto este tipo de notícia vai sempre nos surpreender, porque não é apenas uma informação, porque junto com esta notícia chegam as muitas histórias, memórias, e tantas outras experiências de convívio que fazem com que desejássemos que esta notícia fosse ficcional.
Desde o início da década de 1970, tenho a honra de poder frequentar, observar e viver as muitas e tantas festas no Gantois. Viver também o ajeum servido após cada celebração, e principalmente poder ampliar o convívio com as pessoas que fazem parte do Gantois.
Sem dúvida, o Gantois é um lugar muito especial, há uma espécie de encontro que sempre nos renova a cada visita, a cada conversa, a cada comida; a cada novo aprendizado; e em tudo mais o que se pode interpretar diante do sagrado do candomblé.
E este sagrado é, então, preservado na sua essencialidade. É um sagrado agregado ao entendimento da transmissão humana e qualitativa, e une os muitos saberes para trazer grandes e significativos momentos de conhecimento, numa verdadeira pedagogia das civilizações africanas.

São as transmissões orais pautadas por meio dos itans, dos oriquis, da música cantada, e de tantos outros ensinamentos que aproximam a pessoa da essencialidade do sagrado, do seu conhecimento, da sua união profunda com a própria vida.
Também, quero reforçar, neste meu texto-homenagem, as muitas emoções experimentadas a cada visita ao Gantois. Não são apenas visitas, mas maneiras diversas de observar e de acompanhar os diversos momentos do trato digno diante do sagrado, sempre integrado à cultura, à história, ao patrimônio, que faz parte da identidade e do conceito dominante em tudo o que se pode dizer e louvar sobre o Gantois.
O entendimento do tradicional é profundamente contextualizado no contemporâneo, sensível a diversidade e as dinâmicas sociais, e isso particulariza a longa continuidade matrilinear do Gantois.
Mulheres detentoras do poder sagrado e social de uma comunidade que se estende a tantas outras comunidades, e pessoas; e que preservam um processo familiar diante da continuidade do axé do Gantois na liderança e na sabedoria de Yá Carmen.
Eu tenho muitas boas lembranças do Gantois. Em cada visita, e foram tantas, tantas, neste mais de meio século de convívio, eu estava sempre na expectativa de receber o amplo e generoso abraço da yalorixá. Um abraço que se traduzia numa verdadeira benção, e como era bom ser abençoado. Posso afirmar que cada abraço generoso trazia o afeto dos amigos cultivados e preservados nesta comunidade que honra a Bahia e o Brasil.
Quero fazer deste meu texto-homenagem uma manifestação do meu mais profundo e sincero carinho a todos, todas e todes que fazem parte do Gantois.

Motumbá
Raul Lody

