A força da economia criativa, a cultura em ação
Trabalhadores da Cultura impulsionam a economia criativa e contribuem para diversidade cultural do país, pois o Setor emprega cerca de 7,5 milhões de pessoas.
Em maio, duas datas celebram aqueles que dedicam suas vidas à promoção e à preservação da cultura e a arte brasileiras.
Vimos no final de semana de 04 de maio de 2024 que o show da cantora Madonna em Copacabana no Rio de Janeiro, que ‘custou’ R$ 30 milhões, rendeu para a cidade carioca mais de R$ 300 milhões (retorno de investimento nunca visto), empregando diretamente cerca de 4 mil pessoas e indiretamente milhares de trabalhadores. Tudo bem que foi um mega show, mas essa relação e proporções também são verificadas em torno da produção da economia criativa no Brasil e no mundo.
Você sabia que o pipoqueiro é um trabalhador da cultura? No setor, há uma lista de profissionais cujo trabalho é fundamental para a criação e a experiência artística e cultural – algumas não tão óbvias assim. Exemplos disso são as baianas do acarajé, os iluminadores, as costureiras e até arquivistas.
No Brasil, o dia 4 de maio ganhou um significado especial no ano passado, com a criação do Dia Nacional de Luta dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Cultura (Lei 14.618/23). A data foi escolhida em homenagem ao compositor e artista Aldir Blanc e ao ator e comediante Paulo Gustavo, vítimas da covid-19 – exemplos incansáveis do trabalho pelo setor cultural e que, hoje, nomeiam duas das mais importantes leis e políticas do MinC.
Outra importante data instituída pela Lei 14.517/23 é o Dia Nacional dos Trabalhadores em Entidades Culturais, Recreativas e Conexas, comemorado na segunda segunda-feira do mês de maio de cada ano.
Essas datas representam, não apenas, momentos de celebração, mas também de reflexão sobre a importância e o reconhecimento de profissionais que muitas vezes não são associadas ao fazer cultural ou à profissões tidas como formais, como explica Deryk Santana, diretor de Políticas para os Trabalhadores da Cultura do Ministério da Cultura (MinC).
“Durante a pandemia, as pessoas começaram a perceber que a arte e a cultura eram importantes no dia a dia delas. E a sanção dessas datas nos ajudam a dar um novo passo, que é mostrar à sociedade que o escritor, o produtor, o dançarino, o pipoqueiro são trabalhadores e não fazem aquilo só porque gostam. Esses trabalhos são as profissões dessas pessoas. É fundamental que a sociedade valorize não apenas os artistas de destaque, mas também aqueles que tornam possível a realização de suas obras, da cultura e da arte”, declarou.
Veja série de artigos que a REVISTA RAIZ fez dos artistas na pandemia, no link: Cultura Popular na Pandemia
Dados divulgados pelo Itaú Cultural em 2023 mostram que a Economia da Cultura e das Indústrias Criativas é responsável por 3,11% do Produto Interno Brut0 (PIB) nacional, e emprega cerca de 7,5 milhões de pessoas nas mais de 130 mil empresas formalizadas. O Mercado das Indústrias Criativas, que teve sua última edição realizada no ano passado em Belém, é parte central da política pública do MinC e um catalisador da circulação de bens e serviços culturais.
Conforme explica a ministra da Cultura, Margareth Menezes, a cultura traz conhecimento, capacidade crítica e felicidade, mas também gera emprego e renda, sendo um importante elemento econômico para o país.
“É fundamental entender que a cultura vai muito além do entretenimento; ela é um pilar essencial para o desenvolvimento de uma sociedade. Por meio dela, adquirimos conhecimento e desenvolvemos nossa capacidade. Além disso, a cultura é uma poderosa geradora de emprego e renda, sendo imprescindível para impulsionar a economia e promover o desenvolvimento do nosso país.”
De geração para geração
Responsáveis por uma das mais conhecidas tradições dos cinemas, teatros, circos e eventos culturais, os pipoqueiros oferecem mais do que um petisco, eles também contribuem para a atmosfera única desses espaços.
“Já estou na terceira geração de pipoqueiro da família. Meu avô foi pipoqueiro, minha mãe seguiu a profissão e agora eu assumi. Todos nós conseguimos tirar o nosso sustento da pipoca. Já conheci pessoas que foram clientes do meu avô quando criança e agora são meus clientes”, relata Rafael Alencar de Miranda, pipoqueiro de Brasília (DF) que exerce a profissão há nove anos.
Rafael afirma que a rede profissional ainda é muito maior. “É um trabalho como qualquer outro e gera receita para uma grande gama de pessoas, desde o cerealista, o vendedor de embalagem, o mercado (…). É uma rede muito grande em que todos acabam se beneficiando dessa atividade”, afirma.
Na rica tapeçaria da cultura brasileira, muitos elementos são emblemáticos: um deles é o acarajé. Por trás dessa iguaria está uma figura central, a baiana. Mais do que vendedoras de comida de rua, elas são guardiãs da cultura e da tradição, não apenas na Bahia, mas em todo o país.
Em Santo Amaro, no Alto São Francisco, na Bahia, a baiana do acarajé Carolina Reis, conta que foi criada ‘no tabuleiro’. “Sou filha de baiana do acarajé! Aprendi a profissão com a minha mãe e assumi o lugar dela há 20 anos. Sou filha caçula de cinco filhas e fui a única a assumir o tabuleiro de mainha”, se orgulha.
Carolina conta com carinho a importância da profissão na representação da cultura baiana. “Ser baiana de acarajé é poder representar um pouco da nossa cultura e espalhar o dendê para todos que vem visitar nossas terras aqui na Bahia”. A baiana ainda lembra que o ofício é considerado Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil desde 2005 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – legado que inclui a produção e a venda dos bolinhos.
Segundo o dossiê do Iphan que certificou o ofício como Patrimônio, as baianas do acarajé “preservam receituários ancestrais africanos. São verdadeiras construtoras do imaginário que identifica a cidade de Salvador – com suas comidas, sua indumentária, seus tabuleiros e suas maneiras de vender –, essas mulheres, monumentos vivos de Salvador e dos terreiros de candomblé, são um tipo consagrado, revelador da história da sociedade, da cultura e da religiosidade do povo baiano.”
Por trás dos palcos
Verdadeiros magos da luz e do som, os iluminadores e técnicos de som criam ambientes que complementam e realçam as performances artísticas. Seja em um concerto, uma peça de teatro, uma apresentação de dança ou um filme, o trabalho desses profissionais é fundamental para a transmissão da mensagem artística e a criação de atmosferas envolventes.
José Roberto Pereira de Oliveira, iluminador e técnico de som de Brasília (DF) começou o ofício aos 16 anos, na igreja. Depois se aperfeiçoou em cursos técnicos e oficinas. Hoje soma mais de 20 anos de profissão.
“O trabalho de iluminador e técnico de som é de suma importância porque não é simplesmente chegar no local do evento e ligar o som ou colocar uma luz colorida. A gente monta a luz ideal para cada show ou espetáculo visando valorizar aquela peça e os artistas ali presentes também”, explicou.
José Roberto Pereira, mais conhecido como Zé, conta ainda que os desafios envolvem a valorização profissional, o que leva à precarização. “Tem muito aventureiro no nosso ramo! A pessoa não faz um curso, não se prepara e está lá no lugar de um técnico sério, que estudou pra fazer aquilo. Isso é ruim, porque eles cobram valores mais baixos e fazem um trabalho medíocre, desvalorizando os que fazem um trabalho qualificado e sério”. E completa: “Muitos acham que cobramos caro, mas esquecem que tanto os equipamentos, quanto cursos de atualização são caros e não temos incentivo de outras esferas”.
Para José Roberto, as datas em comemoração aos trabalhadores da cultura é uma forma de apoio à profissão. “Acho bacana esses movimentos, pois é uma forma de apoio a nossa categoria e aos trabalhadores da cultura que de certa forma são invisibilizados”, conclui.