Saiu o livro Para Ouvir o Samba: Um Século de Sons e Ideias, de Luís Filipe de Lima
Para Ouvir o Samba: Um Século de Sons e Ideias, de Luís Filipe de Lima, o mais novo livro publicado pela Fundação Nacional de Artes – Funarte – é um elogiado manual para entender o samba urbano carioca, suas raízes e suas muitas ramificações.
O compositor e escritor Nei Lopes, que assina o prefácio, considera a edição “uma espécie de enciclopédia da cultura do samba”. Nas 320 páginas de análise histórica crítica – dissertativa, mas cheia de histórias; e escrita com a informalidade típica do estilo musical que aborda – Luís Filipe de Lima, músico e pesquisador, constrói um mecanismo teórico para que as pessoas de fato “ouçam” o samba: desenvolvam uma escuta qualificada, que as permita entender realmente essa linguagem; sua multiplicidade (em formas de manifestação e em conteúdos); e seus muitos sentidos artísticos.
O “segredo” deste caráter plural do samba estaria em sua “mutação permanente”, avalia Haroldo Costa. “É isso, fundamentalmente, que Luís Filipe de Lima demonstra neste livro, ao mesmo tempo que sublinha a importância do gênero no processo de construção da identidade brasileira”, comenta o escritor e produtor cultural, na orelha do livro.
Para Ouvir o Samba: a proposta
Em 18 capítulos, o autor, violonista profissional, compositor, arranjador, professor e produtor musical traça um resumo da trajetória do samba desde o início do século 20. Também descreve e caracteriza as muitas modalidades dessa manifestação, assinalando nomes que fizeram história – num registro de algumas das principais músicas que integram esse legado.
Por meio da edição, o leitor poderá compreender as diversas derivações do samba – tais como o maxixado da Cidade Nova e do Estácio; o samba de exaltação, o samba-choro e toda sua linhagem; o samba-canção; o de breque (muito divulgado por Moreira da Silva), a bossa-nova, o partido-alto, e muitas outras.
A publicação foi preparada para agradar a leigos e a conhecedores do tema. “A ideia é mostrar, em perspectiva histórica, a variedade de elementos que o samba reúne, ao se multiplicar em mais de duas dezenas de subgêneros. Assim, o trabalho contempla o panorama histórico do samba urbano carioca, do seu surgimento em fins do século XIX até os dias de hoje, destacando a perspectiva do ouvinte e fornecendo ferramentas ao leitor para que aprofunde sua experiência de escuta”, define Luís Filipe de Lima.
Do “samba maxixado” às formas contemporâneas
Como entender e identificar diferenças entre os inúmeros tipos de samba? Quais são “os padrões melódicos, harmônicos e poéticos” que delimitam o gênero? Quais são seus principais personagens ao longo de mais de um século de história?”, questiona o artista e acadêmico. Mostrando caminhos para respostas, ele descreve os traços mais característicos dos subgêneros da manifestação musical; delineia suas origens; “apontando eventuais correlações” entre essas modalidades; e apresenta a “paisagem sonora” do estilo, enumerando seus principais nomes. O livro expõe mais de 20 expressões: “o samba maxixado da Cidade Nova, o samba do Estácio, o samba-choro (do qual derivam o samba de breque, o samba sincopado, o samba de gafieira e o samba-exaltação ufanista), o samba de terreiro (ou ‘de quadra’), o samba de enredo, o samba carnavalesco, o samba-coco, a bossa nova, o sambalanço, o samba-jazz, o samba-rock, o partido-alto, o samba na MPB, e o ‘pós-samba'” – como se refere aos sambistas tradicionais que emergiram com a onda da MPB – “o pagode carioca dos anos 80, o pagode romântico dos anos 90, o pagonejo, o pagode gospel (ou ‘pragod’), os sambas com contribuições regionais, o samba contemporâneo”, sintetiza o autor.
Ao fim de cada capítulo, ele analisa sucintamente dez gravações, que considera representativas das linguagens de samba apontadas; comenta arranjos, instrumentos e traços de execução e de interpretação; resume eventuais histórias; e lista outros fonogramas. “Ao lado do título e dos créditos de intérprete e autoria, cito também o ano da gravação e o nome da gravadora, para tornar mais fácil e segura a pesquisa…”, informa o pesquisador. O tratado conta, ainda, com uma conclusão, referências e um índice de grandes sambistas.
Haroldo Costa analisa: “A verdade do samba se impõe por sua história profunda, que vem de longe. É preciso ouvir o samba. Ele sempre tem muito a dizer”. Claro que “ouvir”, nesse trecho, também significa “considerar” e “compreender” – o que destaca o respeito e a valorização que esse estilo merece – tendo-se em conta sua riqueza de conteúdo e importância cultural.
Envolvimento com as tradições e trajetória artística
Nei Lopes observa que Luís Filipe de Lima “vem percorrendo uma rica trajetória”, de “apaixonado envolvimento com as tradições brasileiras”, sobretudo as ligadas à matriz negro-africana, “como a religiosidade e a música”. O escritor lembra que seu colega publicou, em coautoria com Muniz Sodré, o perfil biográfico Um vento sagrado: história de vida de um adivinho da tradição nagô-kêtu, sobre o reconhecido sacerdote Agenor Miranda Rocha, o “Pai Agenor” (Angola, 1907 – Brasil, 2004), “nome referencial” nos mais antigos e respeitados ambientes do candomblé; que o pesquisador também foi o revisor técnico de Kitábu: o livro do espírito e do saber negro-africanos (2005), do próprio Lopes; que Luís escreveu, ainda, a obra Oxum: a mãe da água doce (2007); e que, no campo do samba, o violonista realizou apresentações; e participou de espetáculos teatrais e de gravações fonográficas e audiovisuais – documentários e de ficção. O prefácio cita, ainda, as muitas aulas e palestras ministradas pelo músico.
Preservar a tradição sem negar as mutações
Lopes afirma que Para Ouvir o Samba também aborda “temas transversais, como a construção da identidade do sambista; a poética do samba; a desafricanização e a reafricanização do gênero; os espaços e rituais de socialização; a curiosa presença de outras formas de ‘samba’ em terrenos culturais de origem africana na América hispânica”, entre outras matérias. Lembra que a Carta do Samba, de Édison Carneiro – que teria sido deliberada pelo Primeiro Congresso do Samba (1962) – visava a “preservar as características tradicionais” dessa modalidade artística, “sem, entretanto, lhe negar ou tirar espontaneidade e perspectivas de progresso”. Mas, diz o autor do preâmbulo, “a dinâmica da criação cultural fez nascerem outros olhares e percepções, como mostra o presente livro, já fundamental”.
“Para nós […] o samba é um Universo. E, como tal, conjuga forças em constante movimento, ora de atração, ora de repulsão”. Para Lopes, a nova obra comprova essa tese – que a introdução de seu autor resume: o samba é negro, mas também é branco; é arcaico, mas também contemporâneo; profano, mas também religioso; proletário, mas também “de bacana”. Ele “se basta em si mesmo, tão diverso que é, mas também dialoga proveitosamente com outras expressões musicais”, conclui.
Violão, jornalismo e pesquisa
Embora graduado em jornalismo e doutor em Comunicação e Cultura, Luís Filipe Splendore de Lima da Silva diz que nunca havia pesquisado o universo do samba de modo sistemático. Mas, em seu trabalho na música, encontrou diversos temas que o impulsionaram a buscar mais conhecimento. “Percebi que, ao investigar em maior profundidade a história da música brasileira, suas principais correntes estéticas, suas origens africanas, portuguesas e indígenas, sua vasta galeria de personagens, poderia tocar com mais propriedade meu violão, escrever arranjos mais ricos, compor munido de mais referências, produzir discos e dirigir espetáculos com maior clareza criativa”, relembra o artista e acadêmico.
Haroldo Costa avalia: “A obra dá prosseguimento às pesquisas realizadas por […] pioneiros como Mário de Andrade, Oneyda Alvarenga e Luís da Câmara Cascudo, que compreendem o samba como um dos principais pilares da cultura nacional”, – Costa lembra que essa linguagem está presente em todo o Brasil, mesmo que com nomes variados.
O caminho: a simples escuta, as rodas de samba, os cursos
Luís Filipe de Lima relata que a ideia do livro nasceu de uma série de cursos sobre música brasileira – especialmente sobre samba – os quais elaborou e ministrou, em vários espaços, na Capital do Rio de Janeiro e em Buenos Aires (ARG), Florianópolis (SC) e Londrina (PR), entre 2018 e 2020. O material didático resulta de mais de 30 anos de “vivências e reflexões” acerca do panorama musical no País, a partir da experiência do estudioso, nas diversas frentes ligadas a essa arte.
Ele conta que se encantou pelo samba desde criança – com o hábito de ouvir bastante música e, mais tarde, estudando violão; e que conheceu, nas rodas, nomes como Dona Ivone Lara, Beth Carvalho, Paulão 7 Cordas, Walter Alfaiate, Cristina Buarque, Luís Carlos da Vila, Nei Lopes e Wilson Moreira; e que veio a trabalhar com eles. Pesquisou vasto repertório e “garimpou” muitos discos. Ele acrescenta: “Consumindo a ainda escassa bibliografia sobre samba (quase sempre biografias de compositores, intérpretes e instrumentistas, muitas delas editadas pela Funarte entre os anos 1970 e 1980), fui entendendo aos poucos a diversidade e a complexidade desse universo” – a qual ele somente assimilou mais nitidamente quando passou a tocar violão em bares, espaços artísticos e de Carnaval e estúdios. Teve a música como seu principal ganha-pão desde os anos 1990. Colecionou muitas histórias.
Em 2002, quando era professor substituto da Escola de Comunicação (ECO) – UFRJ, o violonista foi convidado pelo Museu da Imagem e do Som para ministrar o curso História Social do Samba, na sede administrativa do MIS, no Rio. Foi quando percebeu que tinha uma pequena bibliografia sobre o tema – embora reunida ainda sem método. Recorreu a ela e também “às memórias de chopes e bate-papos com gente da envergadura de Nei Lopes, Monarco, Martinho da Vila, Bezerra da Silva, Elton Medeiros e Wilson das Neves” para preparar o material didático, revisto e desenvolvido em 2018 – que é a base do novo livro.
Serviço
Para Ouvir o Samba: Um Século de Sons e Ideias
Autor: Luís Filipe de Lima. Prefácio: Nei Lopes
Edições Funarte
320 páginas. Tamanho: 16 x 23
ISBN 978-65-5845-005-4
Preço: R$ 40
Obra disponível para aquisição, em todo o Brasil, por meio da Livraria Mário de Andrade (Funarte) – contato: livraria@funarte.gov.br
Acesse aqui a playlist de sambas utilizada para o livro:
Mais informações para o público
Gerência de Edições – Funarte: edicoes@funarte.gov.br
Programa Arte de Toda Gente
Curadoria: Escola de Música da UFRJ
Projeto Bossa Criativa – https://bossacriativa.art.br
Mais informações: https://artedetodagente.com.br
Realização
Fundação Nacional de Artes – Funarte | Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Informações sobre esse e outros programas da Funarte: www.funarte.gov.br
Mais informações para a imprensa
Assessoria de Comunicação da Funarte: ascomfunarte@funarte.gov.br
Projetos UFRJ – Funarte: imprensa@musica.ufrj.br
Capa Arte: montagem sobre a capa. Foto: Leo Aversa – Divulgação