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Fotógrafo e cineasta Jorge Bodanzky em exposição no IMS paulista

Colaborando com a RAIZ

No contexto dos 60 anos do golpe militar, o IMS Paulista inaugura exposição QUE PAÍS É ESTE? do cineasta e fotógrafo Jorge Bodanzky, com obras produzidas durante a ditadura

Com abertura em 23 de março, a mostra reúne pela primeira vez fotografias, reportagens de TV, filmes super-8 e cenas dos principais filmes dirigidos pelo cineasta durante a ditadura militar brasileira, como Iracema: uma transa amazônica, Terceiro milênio e Gitirana, além de outros itens. As obras tratam de temas que permanecem atuais, como a violência no campo, a destruição ambiental e a luta dos movimentos sociais.

Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985
Congresso Nacional visto de dentro de carro, Brasília, 1964. Acervo Instituto Moreira Salles.

Fotógrafo, repórter e cineasta, Jorge Bodanzky (1942) é autor de ampla produção visual, dedicada a investigar a cultura popular e os conflitos do país. Ao longo de sua carreira, percorreu o Brasil para registrar histórias, personagens e lutas sociais, principalmente as que aconteciam fora dos centros urbanos. Durante o período da ditadura militar, viajou sobretudo para as regiões Norte e Nordeste, retratando a violência no campo e a devastação ambiental causadas pelas políticas desenvolvimentistas dos governos autoritários. Enfrentando a censura e a falta de financiamento nacional, concebeu obras que questionavam a ideia do progresso propagandeada pela ditadura e mostravam a realidade do país, além de tensionarem os limites entre o documentário e a ficção.

Reunida pela primeira vez, a produção do cineasta feita nesse período é o tema da exposição que o IMS Paulista inaugura em 23 de março (sábado). Intitulada Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985, a mostra exibe trechos dos sete filmes dirigidos pelo cineasta no período, como Iracema: uma transa amazônica (1974), codireção de Orlando Senna, Jari (1979) e Terceiro milênio (1980), dirigidos em parceria com Wolf Gauer. A seleção apresenta ainda fotografias e projeções em super-8 feitas por Bodanzky, que integram o acervo do IMS, entre outros materiais.

A curadoria é de Thyago Nogueira, coordenador do departamento de fotografia contemporânea do IMS, com assistência de Horrana de Kássia Santoz e pesquisa de Ângelo Manjabosco e Mariana Baumgaertner. No dia da abertura (23/3), haverá uma conversa com o cineasta, com entrada gratuita e interpretação em Libras. Em abril, o cinema do IMS Paulista exibe uma programação de filmes de Bodanzky, em diálogo com a exposição (detalhes abaixo).

Nascido em São Paulo em 1942, Bodanzky é filho de austríacos, que imigraram para o Brasil fugindo da perseguição nazista. Em 1964, ingressou na faculdade de arquitetura da Universidade de Brasília, onde conviveu com intelectuais e profissionais da fotografia e do cinema. Com o cerco da ditadura militar, em 1966, seguiu para a Alemanha, onde estudou na famosa Escola de Design de Ulm, sob orientação do cineasta Alexander Kluge. Em 1968, retornou para o Brasil e passou a fotografar para as revistas Manchete e Realidade, entre outras. Fez direção de fotografia para clássicos do cinema brasileiro, dirigidos por Maurice Capovilla, João Batista de Andrade e José Agrippino de Paula. Em 1971, estreou como diretor de cinema com o média-metragem Caminhos de Valderez (1971), codirigido com Hermano Penna. Nos anos seguintes, realizou inúmeros filmes.

A exposição no IMS apresenta o período em que Bodanzky consolidou sua linguagem visual, atuando na fotografia, na televisão e no cinema. No centro da exposição, quatro grandes telas de projeção exibem cenas dos principais filmes do cineasta feitos no período. As projeções criam diálogos entre as cenas para mostrar temas comuns, como as formas de exploração do trabalho, as lutas e resistências, a religiosidade e espiritualidade populares, e as distintas visões de progresso. Cada projeção tem cerca de 25 minutos.

O artista inovou o cinema brasileiro ao trabalhar com equipes pequenas, câmera na mão, som direto e poucos recursos. “Em parte de sua obra, Bodanzky usou a ficção para realçar as contradições reais da sociedade e valeu-se de atores não profissionais para dar autenticidade à realidade cinematográfica. O despojamento da produção permitia construir a contraimagem do discurso oficial, evitando a atenção dos militares”, afirma o curador Thyago Nogueira. “É importante ressaltar também que boa parte do cinema de Bodanzky foi feita em parceria, com nomes fundamentais, como Wolf Gauer, Orlando Senna, Hermano Penna e Helena Salem, contribuindo para a diversidade de visões dos filmes”, complementa.

Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985
Incêndio em ônibus, MG, c. 1970. Acervo Instituto Moreira Salles.

Entre os títulos incluídos, está Iracema: uma transa amazônica (1974), codireção de Orlando Senna, obra mais conhecida e premiada de Bodanzky. O longa-metragem narra a história de uma jovem mulher indígena, forçada à prostituição, e um caminhoneiro gaúcho, que vê na recém-construída rodovia Transamazônica sua chance de enriquecer. Para expor a violência do projeto desenvolvimentista da ditadura militar na Amazônia, sem atrair a atenção, a equipe de filmagem estacionava sua Kombi, improvisava a cena e corria. Apesar do grande sucesso internacional, o longa permaneceu censurado no Brasil até 1981.

São exibidas também cenas de Gitirana (1975), dirigido com Orlando Senna. O roteiro do filme se desenvolve a partir de várias histórias de cordel, todas entrelaçadas pela mesma personagem, cuja vida sofre uma drástica transformação ao ser forçada a deixar sua terra devido à construção da barragem em Sobradinho, na Bahia. Um dos filmes mais duros de Bodanzky, feito no ano da redemocratização, Igreja dos oprimidos (1985), codireção de Helena Salem, denuncia a violência no campo através da atuação da Igreja Católica progressista e da Teologia da Libertação na luta por reforma agrária em Conceição do Araguaia (PA).

Em Terceiro milênio (1980), Bodanzky acompanha o senador amazonense Evandro Carreira em uma viagem pelo rio Solimões durante sua campanha pelo governo do estado. Em diálogo com a estética do road movie, o filme, dirigido em parceria com Wolf Gauer, registra o deslocamento do político e sua interação com madeireiros, ribeirinhos e indígenas ao longo do percurso. A seleção inclui ainda o longa de ficção Os Mucker (1978), baseado em revolta histórica ocorrida no Rio Grande do Sul, Jari (1979), documentário dirigido com Wolf Gauer, que denuncia a destruição da Amazônia e a precarização dos trabalhadores no empreendimento do empresário americano Daniel Ludwig, e o média Caminhos de Valderez (1971), primeiro filme de Bodanzky.

Além das quatro telas de projeção, a mostra exibe trechos de filmes em que Bodanzky colaborou como diretor de fotografia, formando sua maneira de filmar e encarar o cinema, entre eles Hitler IIIº mundo (1968), de José Agrippino de Paula, Compasso de espera (1973), de Antunes Filho, e O profeta da fome (1970), de Maurice Capovilla.

Outro núcleo importante da mostra traz reportagens e programas institucionais feitos por Bodanzky para a tevê alemã, pouco conhecidos no Brasil. Estão incluídos um documentário feito com estudantes da Escola de Ulm sobre a repercussão do assassinato de Benno Ohnesorg durante protesto contra a visita do xá do Irã à Alemanha, em 1967; registros da detenção do grupo de teatro The Living Theatre no Brasil, em 1971; as associações culturais comunitárias no governo de Salvador Allende em 1971, pouco antes do golpe militar no Chile; e um filme que traça um paralelo entre a vida de dois operários da Volkswagen, um no Brasil e outro na Alemanha. No grupo de reportagens, é destaque um pequeno trecho mudo de uma entrevista com o general Hugo Banzer, pouco depois de ele tomar o governo da Bolívia através de um golpe de Estado, em 1971.

Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985
Jorge Bodanzky filmando o Mito do Divino com Hermano Penna, São Luiz do Paraitinga, SP. 1968. Acervo IMS.

Desde 2013, o IMS preserva a obra fotográfica e os filmes super-8 de Bodanzky. Nas paredes da exposição, o visitante encontrará ainda fotografias feitas pelo artista nas décadas de 1960 e 1970, durante suas viagens pelo Brasil. Há imagens experimentais produzidas em Brasília, cenas de reportagens feitas para a revista Realidade e flagrantes do cotidiano do país. Na obra fotográfica, chama a atenção o uso do para-brisa de carros, aviões ou helicópteros para enquadrar a realidade, um recurso que sugere a formação do olhar narrativo e cinematográfico de Bodanzky.

Muitos de seus filmes super-8 também são apresentados pela primeira vez na exposição. Mudos e com rolos de curta duração, os super-8 eram usados na prospecção de locações e no exercício livre da linguagem fotográfica, A exposição reúne, por fim, entrevistas recentes com Bodanzky, as atrizes Edna de Cássia, do filme Iracema, e Valderez, de Caminhos de Valderez, além de análises de críticos como Claudia Mesquita, professora da UFMG, e do cineasta e historiador Joel Zito Araújo.

Jorge Bodanzky comenta a exposição e o caráter político da produção apresentada: “Dizer que estou feliz com esta exposição é muito pouco. É realmente incrível a possibilidade de poder mostrar ao público meus arquivos de filmes, fotografias, vídeos e super-8 simultaneamente. Isso só foi possível porque, ao tempo em que eu filmava, ia fotografando e registrando para mim, como numa espécie de caderno de notas, todas as experiências vividas, os fatos observados. Passados tantos anos, fica nítido que esse vasto material compõe um todo, uma parte iluminando a outra e formando um conjunto único, orgânico.” Sobre o período contemplado na mostra, o artista também afirma: “Escolher o período da ditadura militar é igualmente oportuno, pois sem uma leitura lúcida do passado, que talvez a exposição provoque, não conseguiremos vislumbrar um futuro democrático e livre para o nosso país.”

Ainda sobre as obras exibidas, e a possibilidade de assisti-las no contexto atual, Nogueira ressalta: “Boa parte desta produção ainda é pouco conhecida, seja em razão da censura da época, da falta de financiamento nacional ou do reduzido circuito de exibição dedicado ao cinema ativista. Em conjunto, esta obra revela o papel crucial das imagens na luta por direitos e na compreensão do panorama complexo e muitas vezes contraditório do país. Nos 60 anos do golpe militar que calou o Brasil, a produção de Bodanzky é um convite urgente e atual para repensar a democratização do país e a renovação do cinema político.”

A mostra fica em cartaz até 28 de julho, com entrada gratuita.

Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985
Festa de largo, Bahia. c.1970. Foto de Jorge Bodanzky. Acervo Jorge Bodanzky / IMS

Sobre a programação no cinema

Em diálogo com a exposição, o Cinema do IMS apresentará em abril uma retrospectiva de filmes dirigidos por Bodanzky, conjugada a algumas das obras em que trabalhou como diretor de fotografia e às suas experimentações em vídeo e super-8. Estas últimas foram organizadas em novas montagens, sob o comando do pesquisador Ewerton Belico e do montador Luiz Pretti, com eixos que se costuram pelas temáticas extraídas de seu arquivo em super-8. As datas e a programação da retrospectiva podem ser conferidas em breve no site do IMS.

SERVIÇO

Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985
Abertura da exposição: 23 de março
Visitação: até 28 de julho
IMS Paulista | 6º andar | Entrada gratuita

IMS Paulista
Avenida Paulista, 2424, São Paulo. Tel.: 11 2842-9120.
Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.

Colaborando com a RAIZ