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O legado da artista Noemisa Batista, ícone do Jequitinhonha

Colaborando com a RAIZ

Saiba mais da ceramista que ampliou a produção de artes figurativas no Vale do Jequitinhonha.

Dona de uma fala calma e por vezes até tímida, Noemisa Batista do Santos foi a responsável por uma das trajetórias mais eloquentes da arte popular brasileira. Reconhecida por sua originalidade e pela capacidade de contar histórias a partir do barro, Noemisa – falecida em abril de 2024 aos 77 anos – é tida como pioneira em algumas das temáticas da região, tornando-se uma das principais referências do Vale do Jequitinhonha, região no nordeste de Minas Gerais que se configura como uma das mais ativas do país na cerâmica artística e utilitária.

Noemisa elevou a arte figurativa brasileira com seu estilo único, acabamento esmerado, o bom gosto na aplicação de cores, além do domínio estrutural de suas esculturas de diversos tamanhos e formas em barro.

Noemisa Batista dos Santos, ceramista, em sua casa, Ribeirão do Capivara, Caraí - Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais - Foto Oscar Liberal
Noemisa Batista dos Santos, ceramista, em sua casa, Ribeirão do Capivara, Caraí – Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais – Foto Oscar Liberal

Natural de Caraí, ela passou praticamente toda a vida entre a cidade e a zona rural, mais especificamente na região do Córrego de Ribeirão da Capivara, local onde morava e produzia suas peças. “O trabalho dela é de uma expressividade tão forte sobre Caraí, que é possível afirmar que não existiria a arte do município como a conhecemos hoje se não fosse pela Noemisa.

Assim como na tradição local, Noemisa começou a modelar o barro ainda na primeira infância, quando acompanhava sua mãe, também ceramista, na confecção de peças utilitárias que serviam para complementar a renda da família de lavradores. Assim como a maioria dos artesãos da região, ela usava o barro para fazer pequenos brinquedos para embelezar a simples infância no sertão. Com o passar do tempo, o destaque para suas criações se deu pelo fato dela ser uma das primeiras a ir na contramão das peças utilitárias que eram mais comuns à época.

Noemisa Batista - Foto Penellope Bianchi - Acervo Paiol
Noemisa Batista – Foto Penellope Bianchi – Acervo Paiol

Com uma obra delicada, Noemisa se voltava aos detalhes. Os motivos florais aparecem nos vestidos das mulheres, na fachada das igrejas, nas toalhas de mesa e até mesmo na “vida real”, em sua própria casa que era adornada com flores pintadas em seu entorno. A diferenciação de suas criações a levou para inúmeras mostras em Minas Gerais e outros Estados. Em 1987 esculturas suas integraram a exposição “Brésil, Arts Populaires” no Grand Palais, em Paris. Já em 2000, algumas peças também integraram a “Mostra do Redescobrimento”, da undação Bienal de São Paulo. Além disso, sua arte está no acervo permanente do Museu de Folclore Edison Carneiro (RJ), no Museu da Casa do Pontal (coleção de Jacques van de Beuque), no Museu de Arte Popular Brasileira do Centro Cultural de São Francisco, João Pessoa (PB), além de dezenas de coleções particulares dentro e fora do país.

Embora ela nunca tenha se casado e nem tenha tido filhos, a relação familiar tanto com o manejo da terra, quanto com a modelagem do barro, continuam fortes. Atualmente, dois de seus sobrinhos continuam levando seu legado adiante. Aos 46 anos, José Nilo Francisco do Santos, filho de Olinto Batista do Santos (irmão de Noemisa), enveredou pelo mundo das artes por volta dos 10 anos de idade. “Na nossa família, a cerâmica chegou muito antes da tia Noemisa, mas foi com ela que eu fui aprendendo a partir da observação. Depois, comecei a arriscar fazendo uma coisinha aqui e outra ali, até que ela foi nos ensinando as técnicas”, revela José, que também é lavrador e trabalha em seu próprio pedaço de terra equilibrando o tempo entre a plantação e a produção na cerâmica. Casado e pai de duas meninas de 8 e 3 anos, ele diz que – mais do que a primogênita – a caçula já se diverte alisando o barro.

Noemisa com peça sem queimar - Foto UFMG
Noemisa com peça sem queimar – Foto UFMG

Seu primo, Adriano Rosa do Santos, de 44 anos, também tem seguido os passos da tia. Casado e sem filhos, ele se divide entre as funções de lavrador e ceramista. O barro, a técnica, e até o endereço do local onde produzem são os mesmos. Depois do falecimento da artista, eles dois são os que mais frequentam a antiga casa da tia, tanto para cuidar do espaço, quanto para usar o forno responsável por dar vida a tantas e tantas obras.

Assim como sua tia, a arte ainda não é capaz de lhes ser a única fonte de renda. Sendo dona de trajetória inventiva ímpar, agora, seu legado seguirá sendo perpetuado pelas mãos dos sobrinhos, que terão algumas de suas peças apresentadas pela Paiol no 18º Salão de Artesanato em São Paulo, que acontece no final de agosto.

Noemisa e sua família estarão na exposição-feira Arte dos Mestres. Veja mais em matéria da Revista Raiz:
https://raiz.art.br/2024/08/19/arte-dos-mestres-com-artesaos-de-oito-estados-brasileiros-em-sao-paulo/

Noemisa com peça sem queimar - Foto UFMG
Noemisa com peça sem queimar – Foto UFMG

Colaborando com a RAIZ