O trabalho continua: mesmo na pandemia, festas populares se reinventam para sobreviver

Colaborando com a RAIZ

Curador de inúmeros projetos, Diego aborda o que faz para auxiliar artistas e o apego a cultura tradicional como alegria, mesmo em tempos de crise

No embalo de uma rede, Diego Dionísio, produtor cultural e presidente da Comissão Paulista de Folclore conta como tem sido a vida e a produção cultural durante a quarentena. Que ao bem-dizer não deixou de trabalhar. Mas pôde ver a cultura popular ganhar outro, um novo sentido.

Do fogão a lenha, no sítio em que se hospeda numa cidade do interior paulista, uma senhora canta. Diego se interessou em ouvir as rezas dela cantadas geralmente enquanto cozinha e percebeu que ali tinha história. “A tradição desses movimentos culturais é o que nos move para preservá-los, contar a vida dessa mulher é como contar sobre tantas vidas que não estão nas grandes capitais”, conta Diego.

Em seu garimpo cultural, o produtor toca diversos projetos dentre os quais o Revelando São Paulo, que nós da Raiz destacamos como um dos eventos mais resilientes e instigantes na promoção da cultura popular, no caso do Revelando, a cultura caipira de todo o Estado paulista: das tradicionais danças de quadrilha, comidas típicas, shows. Diego também participou da curadoria do Arraiá Em Casa exibido no período junino pela Rede Globo. Sempre ativo Diego também participou das Folias do Divino de Joanópolis, SP nos contrafortes da Serra da Mantiqueira, divisa com Minas Gerais. Foram 4 domingos, que sempre absorvem toda semana de envolvimento, trabalho e confraternização.

Seu principal objetivo é fazer com que o trabalho das pessoas ligadas a cultura popular seja conhecido. “Encontro os artistas e os sensibilizo para que mostrem seus trabalhos para os projetos. E assim elas vão sendo reconhecidas, isso traz luz para seus projetos”.

Com a quarentena o acesso as festas mudou. Em 2020, ocorrendo dentro da casa, as comemorações foram voltadas para as famílias, e o que vinha focado em trazer turismo se reencontrou com os antigos e reais significados.

“A cultura popular só resiste por todo esse tempo porque as pessoas têm pertencimento [a sua cultura]. Então houve essa reconexão”, aponta Diego


Dificuldade na pandemia

Do convívio com a família em que visita, Diego destaca as dificuldades por que eles passam. Como as comunidades tradicionais não têm comércio próprio e nem serviço de entrega, os recursos tiveram de vir da própria terra. “Vejo como a natureza é rica e compensadora… tenho colhido feijão e comido frango, tudo do que criamos no quintal”.

Salvo os casos em que o solo respira para se plantar, criar e colher. Mas aos que vivem em grandes centros só têm encontrado alguma ajuda no dinheiro que entra no projeto de curadoria de Diego – que divide o saldo entre os artistas.

“Eu conheço ao menos 23 artistas populares que estavam em São Paulo fazendo trabalhos incríveis e que tiveram de voltar para suas cidades porque não conseguiam pagar o aluguel. Tantos artistas populares que estão deixando de ter a visibilidade de uma grande cidade” informa.

E não tem seguro nem mesmo aqueles já consolidados. Que segundo Diego, sem insumos, artistas estão voltado para suas origens, a fim de tocar carroça diante de um retrocesso em divulgação de trabalhos nas pautas do governo federal.

Com a falta contumaz de espaço para tocar fora das datas festivas, artistas populares enfrentam ainda a falta de uma ajuda do governo durante a quarentena. Mesmo com a lei Aldir Blanc, a verba é curta e Diego indica o único possível caminho.

“Precisamos estar fortes e unidos. Nossa classe está cada vez mais se organizando – o que será determinante para que algum representante saia na próxima eleição e nos garanta um pouco de segurança”.

Diego Dionísio em Cultura Popular na Pandemia - Revista Raiz
Foto do perfil Facebook @diego.dionisio.52, foto de Reinaldo Meneguin

A vida em isolamento

“Quando começou, nos primeiros dias, entrei em pânico” afirma o produtor cultural sobre o começo da pandemia. A época, começo do ano, é quando mais trabalha por conta da concentração de datas comemorativas. Tempo em que algum recurso chega as comunidades culturais.

Mas quando tudo parou, já se alarmava. Diego sabia que não seria fácil a reconstrução dos projetos que foram obrigados a parar.

Todavia viu que nesse momento de recolha, as famílias compraram os temas festivos dentro da própria sala, e com o boom das lives, teve até o batismo do boi no Maranhão, festas do divino pelo zoom (plataforma de chamada de vídeo) e tantas outras comemorações. “Depois do pânico inicial, logo percebi o poder dessas iniciativas. Nunca estive mais próximo dessas comunidades”.

Sorrindo diante dessa nova perspectiva, o contente presidente da Comissão Paulista de Folclore lembrava com gosto de histórias vividas já na pandemia. Recorda-se de uma chamada de vídeo que fez entre senhoras. “as três, ao se verem por vídeo, ficaram chocadas! E daí começaram a chorar, se emocionaram por se verem. Uma amiga delas morreu de covid-19 e começaram a rezar… De repente, todos os dias desde então, às 18 horas, tenho que colocá-las online pra se falarem”.

A inocência do caso o lembrou de outro momento quando, procurado por um portal de notícia que buscava falar com uma família de Catira, indicou uma que passou a esperar incessantemente um cartaz no portão. “Eu disse pra eles que se tratava de um portal, veja só, nossa linguagem comum que não é comum pra eles. Veja, eu falei que a notícia havia saído no portal e eles acharam que eu quis dizer ‘portão’. Nem tive sensibilidade de explicar”.

Mas sensível tem sido o poder transformador que a arte tem, como conta Diego. “Lives que começaram a partir do compartilhamento entre idosos, diante da solidão dos primeiros dias, a quarentena aflorou o lado mais humano nas pessoas”.

De repente via algum instrumentista ir pra varanda tocar para o prédio, uma dona de casa que fazia arroz-doce compartilhar com os vizinhos pela janela e entre os tantos exemplos que destaca, para dizer que a arte revela o lado legal da humanidade.

“Durante quatro domingos, convoquei um grupo de violeiros que, equipados contra o coronavírus, iam de casa em casa tocar a festa do divino. Tantos exemplos… esse ano não pude visitar a comunidade do boi, no Maranhão. Mas soube que fariam live, então, peguei meu chapéu e esperei eles cantarem. Isso foi muito importante pra mim.”


Diego Dionísio em Cultura Popular na Pandemia - Revista Raiz
Foto do perfil Facebook @diego.dionisio.52

Futuro pós quarentena

Imaginar o novo mundo ainda é um desafio para Diego. Sobretudo com a incerteza das datas – colocando em dúvida o acontecimento dos ciclos festivos do fim desse e do começo do próximo ano.

Hoje já estamos afetando o futuro”, aborda o produtor cultural que lembra aqueles que vivem do carnaval e que até o momento não possuem respaldo. Ainda que volte à normalidade em janeiro, aponta que levará um tempo para que se entenda como serão as próximas festas.

Com o carnaval do Rio de Janeiro cotado para o mês de julho de 2021, o de São Paulo para maio e o de Salvador para abril, Diego desdenha cético ao pensar também no que já foi cancelado como o Réveillon da Paulista. “Acho que definir esse futuro ainda é muito cedo. Pelo que vejo é que para tudo voltar ao normal, deve levar mais uns dois anos”.

Que não cabe a ansiedade por ter de esperar mais para cultivar os tantos festivais que acompanha pelo Brasil afora. Se vendo como um ‘caipira quilombola folclorista’ se balança na rede das esperanças que encontra através dos mantras diversos que carrega.

Eis o seu modo de sobreviver nesses tempos atuais, buscando força pelo afeto da arte que compõe as suas formas de conexão com o que considera divino. “Pensando que o imaginário popular faz milagre, eu acredito em milagres. O que nos mantém é o sagrado e nunca estive tão próximo da cultura popular, rezando pra Benedito, Exu e etc. O sagrado é que me mantém esperançoso e capaz de ser ao menos um pouco contente agora”.


SERVIÇO

Consultor da Federación Latinoamericana de Ciudades Turisticas

Presidente da Comissão Paulista de Folclore

Coordenador de programação do Museu da Cidade de São Paulo

Foi Assessor de Gabinete da Secretaria de Cultura e Economia Criativa

Foi Coordenador de Projetos do Revelando e Abaçai

Foi assessor de comunicação da Abaçaí Cultura e Arte

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